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A paisagem e o gesto como experiências captadas: as fotografias de Maria Ivone dos Santos

Bianca Lagasse (2025)

Graduanda do Bacharelado em História da Arte na UFRGS, com formação em Marketing pela Faculdade Senac e especialização em Comunicação Digital pela Unisinos. Atuou por 13 anos como Gerente de Projeto em agências de comunicação e produtoras de audiovisual. Atualmente atua como coordenadora de produção do MACRS, gerenciando e executando projetos de exposições de arte contemporânea, além de Seminários e outras atividades do museu. Além disso, está como bolsista do projeto de extensão Marcas D'água pelo PGAV da UFRGS.

Maria Ivone dos Santos (1958)
Cabe a Alma: Atacama [07 de maio de 2023 às 18h03], 2023-2024
Fotografia Digital - Impressão Digital

Moldura de madeira - Papel Hahnemühle Photo Matt Fibre 200g/m²

73,33 x 110 cm 

Porto Alegre, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo do Instituto de Artes da UFRGS

Maria Ivone dos Santos (1958)
Cabe a Alma: Atacama [07 de maio de 2023 às 18h05], 2023-2024
Fotografia Digital - Impressão Digital

Moldura de madeira - Papel Hahnemühle Photo Matt Fibre 200g/m²

73,33 x 110 cm 

Porto Alegre, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo do Instituto de Artes da UFRGS

Duas imagens, duas experiências captadas. O díptico composto pelas obras Cabe a Alma: Atacama [07 de maio de 2023 às 18h03] e Cabe a Alma: Atacama [07 de maio de 2023 às 18h05], de Maria Ivone dos Santos (Vacaria, 1958), é uma ferramenta interessante para nos fazer pensar sobre a imagem. As obras fazem parte de uma série de fotos que a artista vem trabalhando desde 2013, chamada Extensões da Memória: Cabe a Alma. A série apresenta o encontro da captação de uma paisagem composta com um objeto e a experiência de fixação que acontece através da fotografia, onde a artista se propõe a compartilhar uma visão única, que não se repete. A luz natural, o enquadramento, a disposição dos objetos - ora espelhos ora filtros em acrílico - e, principalmente, a presença das mãos da artista, são elementos condutores da série. Quando se propõe a mostrar suas mãos interagindo com o objeto, a artista estimula não apenas uma espécie de contato físico com a paisagem, mas também o contato com quem olha a paisagem. Um novo olhar a partir deste triângulo: paisagem, gesto e objeto. O vazio é também um elemento fundamental e presente nas imagens da artista. Não o vazio como “nada”, mas o vazio que é o oposto do utilitarismo, da coisa com função. O vazio do lugar que se forma entre o objeto e a lente da câmera.

A obra de Maria Ivone dos Santos se constitui e transita entre as noções de lugar, corpo, gesto e memória. Através de fotografias, objetos e instalações, estas temáticas são exploradas de maneira íntima, integrando o espaço físico, ou seja, essa experiência espacial, ao seu universo da memória e leitura do mundo. Há uma gestualidade constante em seus trabalhos, seja pelo gesto explícito ou metafórico, provocando a interação do observador que se dá, muitas vezes, através do que a imagem provoca e do que ela é capaz de nos fazer pensar. É a partir destas imagens que a artista compartilha também uma certa “pensatividade” existente entre nosso olhar e na própria imagem, provocada pela sugestão de um lugar único para pensar a paisagem cotidiana.

 

O díptico, composto por imagens originalmente independentes, quando juntas, é capaz de transformar-se em uma única obra. Na imagem acima vemos um recorte do deserto do Atacama com um filtro amarelado. A imagem em sua amplitude, vista de algum lugar alto, propõe uma sensação de imensidão. O solo montanhoso que ocupa mais da metade da imagem traz, nas suas anfractuosidades, uma série de sombras que compõem a fotografia. Ao fundo percebe-se um horizonte e um céu limpo quase sem nuvens. Nosso olho se direciona então para a imagem que está logo abaixo. O ponto de vista da artista, entre uma foto e outra, parece ser o mesmo. Porém, há um distanciamento do olhar que revela esta lente transparente e amarela em formato de elipse que, na primeira fotografia, cobria toda a imagem. A paisagem então aparece na sua cor natural, o céu azul, o solo arenoso em tons terrosos, acompanhada desta lente, ao centro da foto, segurada por duas mãos.  Fica-se com a sensação de ter recuado um passo entre uma imagem e outra. É a partir deste recuo, que parece revelar uma espécie de “segredo”, neste jogo entre filtro e realidade, que engendra múltiplas maneiras de ver e pensar a mesma imagem.

Para a artista, “o gesto de mostrar [o objeto] é evidenciado pelo enquadramento que não esconde a mão que segura o dispositivo onde se aloja a imagem, produzindo a colisão de dois enquadramentos”. É bonito pensarmos sobre o universo imaginativo que as fotos são capazes de sugerir, considerando esse poder que elas têm de mostrar e esconder, de comunicar e sugerir a dúvida. Neste díptico, essa dupla imagem que vemos e que revela o enquadramento que se desnuda à nossa frente, fala mais sobre a experiência espacial do que sobre a paisagem em si. Um gesto transformado pela artista em uma captura do espaço-tempo, uma experiência do olhar, uma nova relação com a paisagem. Um ato em que artista, espectador e imagem compartilham, por um instante, o mesmo entre-lugar da câmera, o mesmo silêncio da paisagem, enfim, a sua pensatividade.

REFERÊNCIAS

ALLOA, Emmanuel. Pensar a imagem. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015. Coleção Filô/Estética.

 

ARQUIVO Maria Ivone dos Santos: Coleção Acervo Artístico: Item Cabe a Alma: Atacama [07 de maio de 2023 às 18h05]. Disponível em:
https://arquivo.mariaivonedossantos.art/index.php/acervo-artistico/cabe-a-alma-atacama-07-de-maio-de-2023-as-18h05/ . Acesso em 10 nov. 2024.

 

HUCHET, Stéphane. A geometria do tempo no trabalho de Maria Ivone dos Santos. Zero Hora, Porto Alegre, 09 mar. 2024. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/artes/noticia/2024/03/a-geometria-do-tempo-no-trabalho-de-maria-ivone-dos-santos-cltfwljim003d0161v0gxuxrc.html. Acesso em 12 nov. 2024.

 

SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. Tradução: Rubens Figueiredo.

COMO CITAR ESSE TEXTO 

LAGASSE, Bianca.  A paisagem e o gesto como experiências captadas: as fotografias de Maria Ivone dos Santos. HACER - História da Arte e da Cultura: Estudos e Reflexões, Porto Alegre, 2025. Disponível em: <https://www.hacer.com.br/atacama>. Acesso em: [dia mês. ano].

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