Glênio Bianchetti (1928-2014)
Figura vermelha, 1972
Acrílica sobre madeira, 98 x 70 cm
Porto Alegre, Pinacoteca Barão de Santo Ângelo
A jovem calça as sapatilhas invisíveis da bailarina que nunca foi. Em seu gesto esmerado guarda sonhos de um pé de possibilidades nunca obtidas. Seu recolhimento não é um ato de tristeza, mas de reflexão, como se neste momento pudesse deixar as sombras do seu vulto impressas apenas na parede. Tornar a escuridão somente um contraste para o vermelho vivaz do seu vestido, fazendo com que seus longos traços entalhados não sejam tão duros e ela saia logo desta coxia para rodopiar leve no palco da vida.
Não parece uma boneca ou figura inerte, seus contornos cubistas e a plasticidade da sua cor são a expressão da sua personalidade, do quanto é humana e sensível. Mesmo não revelando seu rosto e suas feições, sabemos que olha compenetrada para si. Em seu gesto ela parece delicadamente pedir-nos uma pausa, um descanso em seu bastidor útero-vermelho, a fim de ficarmos alguns minutos embebidos em nós mesmos antes da apresentação.
No espaço há apenas o cubo preto onde está sentada, nenhuma outra referência, o que nos leva a crer que está sozinha ali, quem sabe solitária, a nos convidar: - Dança comigo? Aceitei prontamente seu convite para um suave balé imaginário ao escolher esta obra, dentre tantas outras do acervo da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - IA/UFRGS).
Conhecidíssimo por fundar clubes de gravura pioneiros no nosso Estado, Glênio Bianchetti retratou as paisagens e costumes da região. Também foi professor, ilustrador, desenhista e pintor, deixando-nos vislumbrar as reentrâncias entre as técnicas, seja nos traços precisos de sua pintura (quase sulcos) ou nas cores ímpares das gravuras. Conforme ele afirma: “Minha obra tem origem expressionista. A gravura veio me proporcionar os elementos que faltavam na pintura, completando meu trabalho. Minha pintura tem cortes e tem entalhes resultantes da disposição das cores e formas. Tem muito de gravura.”
Independentemente da técnica utilizada, destacam-se as suas figuras humanas que mesmo estando absortas em alguma atividade banal, parecem manifestar profundos sentimentos (demonstrando o viés expressionista de Bianchetti), nos cativando a conhecer o seu mundo, ainda que ele seja apenas uma projeção do nosso. É o caso desta “Figura em vermelho”, realizada em 1972 e cujo título aparentemente despretensioso só faz aumentar a gama de possibilidades de interpretações para a obra, pois não a delimita com um único sentido.
Apenas usando tons de vermelho, o pintor obtém um contraste impressionante através da iluminação frontal, dando infinitos tons de laranja ao vestido vermelho e fazendo-o destacar-se da parede cereja pelo jogo de sombras. Os traços retilíneos podem tanto advir dos gestos do entalhe realizados para a gravura, como da sua admiração pelo cubismo. A segunda hipótese corrobora-se também pela sensação de volume obtida, sobretudo no rosto, pernas e vestido. Uma composição simples, que demonstra o brilhantismo de fazer do singelo o mais profundo, que somente bons artistas alcançam.
A obra destaca-se na coleção da Pinacoteca, não só porque Glênio Bianchetti fez parte da história do Instituto de Belas Artes (como artista e professor) e do Estado, sendo diretor do Museu de Artes do Rio Grande do Sul - MARGS (entre outras atividades), mas principalmente por ser representativa de uma arte de qualidade produzida no Rio Grande do Sul. Certamente a obra merece uma apreciação acurada e, se você não quiser dançar, tenha seus próprios devaneios!
REFERÊNCIAS
BIANCHETTI, Glênio. A gravura é uma arte democrática. Jornal de Brasília. 23 Ago. 1981.AR ESSE
COMO CITAR ESSE TEXTO
BENACHIO, Ana Laura. Dança comigo? HACER - História da Arte e da Cultura: Estudos e Reflexões, Porto Alegre, 2016. Disponível em: <http://www.hacer.com.br/#!figura-vermelha/yqyz8>. Acesso em: [dia mês. ano].