Rafael Sanzio (1483-1520)
Pinturas no teto da "Stanza Della Segnatura", 1508-1511
Afrescos
Cidade do Vaticano, Stanza Della Segnatura, Palazzi Pontifici
Em 1938, o Journal of the Warburg Institute publicou um artigo de Edgar Wind (1900-1971), no qual o célebre historiador da arte analisou o conjunto de pinturas presentes no teto da Stanza Della Segnatura, no Vaticano. A Stanza Della Segnatura é a mais conhecida de um conjunto de salas decoradas pelo artista renascentista Rafael Sanzio (1483-1520), conhecidas hoje como as Salas de Rafael. A encomenda do trabalho foi feita pelo Papa Júlio II, um dos maiores patrocinadores de artistas renascentistas da época e que também encomendou a pintura do teto da Capela Sistina a Michelangelo. Os dois artistas chegaram a trabalhar ao mesmo tempo no Vaticano nestas encomendas. A Stanza Della Segnatura (Sala da Assinatura) ficou conhecida por este nome por ter sido utilizada posteriormente como sala de audiências papal.
O artigo de Wind se detém basicamente nas pinturas do teto, menos famosas que os grandes afrescos presentes nas paredes da sala, especialmente A Escola de Atenas, uma das obras mais conhecidas de Rafael. No entanto, partindo de elementos apontados por Wind, é possível perceber-se a relação e a integração de significados das pinturas na sala como um todo, em um fascinante esquema que permite diversas formas de leitura.
Como o próprio Wind declara no artigo, muitas alusões de sentido são extremamente remotas, e revelam a diversão de uma mente humanista em se fazer entender apenas por um grupo seleto e erudito. O autor Christof Thoenes, em seu livro sobre Rafael publicado pela Editora Taschen, comenta que o esquema iconográfico pode ter tido sugestões de Tommaso Inghirami, cardeal humanista próximo ao Papa Júlio II e provavelmente seu bibliotecário particular. No entanto, a transferência de tais sugestões para pintura teria sido do próprio Rafael, revelando seu espírito inventivo, inteligência e imaginação. Posteriormente, o próprio Inghirami teria seu retrato pintado por Rafael e, segundo Thoenes, também apareceria no afresco Escola de Atenas, representado como Cícero ou Epicuro.
O ciclo de pinturas dos quatro elementos
Wind começa seu texto falando sobre quatro pares de pinturas que aparecem no teto da sala (ver figura) e que ficam entre as quatro grandes figuras alegóricas da Poesia, Filosofia, Jurisprudência e Teologia. Estes pares mostram uma pintura em cima da outra e se organizam da seguinte forma: as pinturas de cima, pintadas em grisaille (ou grisalha, uma pintura monocromática, normalmente em tons de cinza ou castanho), representam cenas da história romana; as de baixo, coloridas, apresentam assuntos mitológicos. Analisando os temas de cada um dos pares, Wind percebe que as cenas romanas e mitológicas reunidas possuem um denominador comum entre elas.
Este denominador é identificado como os quatro elementos da natureza (terra, fogo, ar e água), considerados, na filosofia grega clássica, como a base de formação da matéria. Dessa forma, os elementos surgem como um elo temático para cada par de pinturas, identificados por Wind da forma mostrada a seguir.
Fogo: Mucius Scaevola e a Forja de Vulcano
No primeiro par analisado por Wind, a cena da história romana mostra um homem colocando sua mão direita sobre um recipiente em chamas. Essa imagem remonta ao episódio envolvendo Mucius Scaevola, conforme relatado por Tito Livio, ocorrido durante a guerra contra os etruscos. Scaevola, cidadão romano, teria invadido um acampamento etrusco com a intenção de assassinar Porsena, rei da cidade de Clusio. Scaevola acaba confundindo o rei e matando a pessoa errada, sendo capturado em seguida. Colocado na presença do rei, Scaevola declara que ele era apenas um entre centenas de cidadãos romanos que tentariam voluntariamente matar Porsena. Para mostrar o quão pouco os romanos se importavam com o perigo de serem capturados ou com a dor, Scaevola colocou sua mão sobre um dos recipientes com fogo que iluminavam o acampamento, sem demonstrar nenhum sofrimento. Impressionado com a bravura do jovem, o rei Porsena teria libertado Scaevola e enviado mensageiros para negociar a paz no dia seguinte.
A cena mitológica é identificada por Wind como uma representação do deus Vulcano (em grego, Hefesto) e sua forja, na qual também se percebe a presença do Cupido (Eros), o deus alado filho da Vênus (Afrodite), deusa do amor e esposa de Vulcano. O elemento comum entre as duas pinturas é, portanto, o fogo, presente ou sugerido em ambas. Partindo desta constatação, Wind estabelece a hipótese de que os outros três pares também contenham um dos quatro elementos como denominadores comuns entre as cenas romanas e mitológicas e continua sua análise para verificar tal possibilidade.
Água: Mettius Curtis e Amor Vincit Aquam
Diametralmente oposta à pintura de Mucius Scaevola há uma cena de batalha na qual um cavaleiro segurando uma longa lança é perseguido por soldados a pé. Wind identifica a cena como um episódio da guerra entre romanos e sabinos, no qual o líder dos sabinos, Mettius Curtis, em vez de se submeter aos seus perseguidores romanos, levou seu cavalo para as águas do pântano que, em memória de sua intrepidez, foi mais tarde chamado Lacus Curtius. O pântano é visível no canto direito da pintura e a longa lança, segundo Wind, é o atributo típico deste herói, tornando a cena facilmente reconhecível para um humanista da época e evocando o elemento água da mesma forma que a cena de Mucius Scaevola evoca o elemento fogo.
A cena mitológica mostra um sátiro perturbando um casal de amantes, despejando água nas suas cabeças. No primeiro plano, há uma faixa de água, dentro da qual se vê o Cupido alado segurando um golfinho em seus braços. Enquanto a cena na praia mostra como o amor é esfriado pela água, no primeiro plano, o corajoso Cupido conquista o elemento hostil, entrando no mar e treinando o golfinho para ser seu servo. Wind considera que Amor vincit aquam poderia ser um título adequado para este idílio bucólico. Desta forma, não resta dúvida que o elemento da água é o denominador comum entre ambas.
Terra: Justiça de Junius Brutus e o Gigante Acorrentado
O próximo par de pinturas analisado por Wind mostra o elemento terra como denominador. A alusão, no entanto, é um pouco mais remota. A cena mitológica mostra um homem de grandes proporções acorrentado a uma árvore. Na sua frente, percebe-se novamente a figura do Cupido, voando desafiadoramente diante do gigante. A cena remete ao episódio da Gigantomaquia, a guerra entre gigantes e os deuses olímpicos. Terra (Gaia), uma das entidades básicas da mitologia greco-romana, desposou o Céu (Urano) e gerou a raça dos titãs e dos gigantes. O titã Saturno (Cronos) destronou seu pai, sendo depois ele próprio destronado por seu filho, Júpiter (Zeus), na guerra conhecida como Titanomaquia, entre deuses e titãs. Com a derrota dos titãs, Terra procurou vingança e conclamou seus filhos, os gigantes, a atacarem os deuses. Graças a um antigo oráculo que previa que os gigantes só poderiam ser derrotados pelos deuses se eles tivessem o auxílio de um mortal, Júpiter convocou seu filho Hércules (Héracles) e conseguiu vencer os gigantes, aprisionando-os no Tártaro. A relação da cena com o elemento terra, portanto, se daria pelo fato dos gigantes serem filhos da Terra.
A cena romana, por sua vez, é identificada como um episódio envolvendo Lucius Junius Brutus, um dos fundadores da república romana. Após a instauração da república romana, houve uma tentativa de restauração da monarquia, conhecida como Conspiração Tarquiniana. Tomaram parte desta conspiração os dois filhos de Junius Brutus que, por esta traição, foram condenados à morte pelo próprio pai (este episódio também serviu de tema para uma bela tela do pintor neoclássico francês David). Ele também ordenou a destruição dos campos tarquinianos, cujas colheitas, atiradas no Rio Tibre, formaram a massa de um novo solo, o Campus Martius. A terra estaria, portanto, associada desta forma com este episódio da justiça de Junius Brutus.
Ar: Pax Augustea e a Partida de Anfitrite
No último par de pinturas, Wind comenta que elemento ar foi utilizado também para significar o céu. Na cena mitológica, se vê um homem encurvado em primeiro plano e uma mulher sobre uma pequena embarcação, segurando um tecido que forma uma espécie de vela. Wind a identifica como Anfitrite, ninfa cortejada por Netuno (Posêidon), deus dos mares. Anfitrite inicialmente recusou-se a casar com Netuno, fugindo e se escondendo na ilha de Atlas. Entretanto, o golfinho, astuto em assuntos do amor, descobriu-a e conseguiu convencê-la a retornar. A partida de Anfitrite é, portanto, o tema da pintura. De pé sobre o golfinho que a carrega através da água, ela segura um tecido formando uma vela para que o vento possa apressar sua jornada, sendo assim o elemento ar visivelmente representado na pintura. O homem sentado na margem em primeiro plano é Atlas (o titã condenado a sustentar a esfera celeste nos ombros), caracterizado por seus ombros curvados.
Na pintura romana, o triunfante Augusto, primeiro imperador de Roma, é coroado pela figura alada da Paz, segurando uma palma em sua mão. As asas da deusa, como a vela de Anfitrite, são uma visível alusão ao elemento ar. Mas Wind considera que aqui o ar também está presente no sentido de céu. A Pax Augustea (ou Pax Romana, longo período de paz que se iniciou com o imperador Augusto), é referida como um período em que “o céu desceu para a terra”.
Significado do ciclo
Estabelecido e aceito que os quatro pares de pintura representam um ciclo dos quatro elementos, Wind passa a relacionar os elementos das pinturas mitológicas e históricas entre si, a fim de estabelecer um eixo de compreensão para o ciclo como um todo. Diz ele:
Na verdade, cada uma das duas séries – a histórica e a mitológica – trata dentro de sua própria ordem de um assunto particular que especifica e transcende o tema geral que elas têm em comum. Cada uma transmite sua própria lição, e quando as duas lições são entendidas na sua relação com a outra se tornará aparente que elas estão relacionadas com o programa “enciclopédico” da Stanza como um todo.
Em cada uma das cenas romanas, um elemento é conquistado por uma virtude: a Água pela Coragem de Mettius Curtius, o Fogo pela Paciência de Mucius Scaevola, a Terra pela Justiça de Brutus, o Ar pela Paz de Augusto. Para transmitir a grandeza dessas obras romanas, o artista escolheu o tom cor de pedra da grisalha, que remonta aos antigos monumentos e possui uma uniformidade austera, como a própria Virtude. Isso contrasta fortemente com a vivacidade das pinturas mitológicas abaixo, que são coloridas como o Amor.
Este contraste enfatiza a oposição de estados de espírito entre os dois temas das duas séries. Os solenes triunfos romanos ecoam humoristicamente pelo Cupido conquistador. Ele imita a fortaleza de Mettius Curtius pela coragem de entrar na água fria. Como Brutus, ele conquista a terra e vence os gigantes que se revoltavam contra Júpiter. Como Mucius Scaevola, ele desafia o poder do fogo e faz Vulcano, o ferreiro, obedecer suas ordens. Ele finalmente domina até o elemento do Ar entrando no reino das Hespérides onde, com a ajuda de seu servo, o golfinho, ele ilude o astucioso Atlas e, como um Augusto menor, faz a paz entre os amantes Netuno e Anfitrite.
Portanto, o ciclo por inteiro poderia carregar o título: Amor e Virtude reinando sobre os Elementos, ou seja, sobre o mundo. O Amor move o mundo da natureza, enquanto a Virtude introduz no governo dos homens o quádruplo da disciplina Romana: Justitia, Patientia, Fortitudo e Pax. (WIND, 1938, p. 77-78, tradução nossa).
Resumindo, o ciclo traria o tema do amor (simbolizado pelo Cupido nas cenas mitológicas), e da virtude (simbolizada pelas cenas romanas) reinando sobre os elementos, que seriam a base do mundo material, ou seja, reinando sobre o mundo. As cenas romanas são solenes, pintadas em grisalha, adequadas ao tema da virtude. As cenas mitológicas, por sua vez, são coloridas, adequadas ao tema do amor. Cada cena romana introduz uma virtude específica do quádruplo da disciplina romana, que ecoa humoristicamente na pintura mitológica, obedecendo a seguinte relação: Paciência (Fogo), Coragem (Água), Justiça (Terra) e Paz (Ar).
Relações com as pinturas pendentes e as pinturas alegóricas
Por fim, Wind relaciona o ciclo dos elementos com as pinturas pendentes dos cantos superiores da sala e as quatro grandes figuras alegóricas da Poesia, Filosofia, Jurisprudência e Teologia. As pinturas pendentes estão nos cantos superiores da sala, exatamente abaixo de cada um dos pares do ciclo dos quatro elementos. Cada uma delas se liga a duas figuras alegóricas, que ocupam a parte central. Cada figura alegórica, portanto, está ligada a duas pinturas pendentes e é ladeada por dois pares de pinturas do ciclo dos elementos. Este posicionamento é importante para as alusões de sentido exploradas por Wind, criando o que ele chama de um princípio de coordenação simétrica. Antes de abordar essa relação, entretanto, é necessário identificar cada um dos temas das pinturas pendentes e o seu significado dentro do programa iconográfico da sala.
Apolo e Mársias: o tema refere-se a um episódio da mitologia grega, no qual o sátiro Mársias, um excelente músico, desafia o deus Apolo para um duelo musical. Apolo aceita o desafio, com a condição que o vencedor poderia punir o perdedor da maneira que quisesse. Mársias tocaria sua flauta dupla conhecida como aulos, enquanto Apolo competiria com sua lira. No final, Apolo vence e, para punir a arrogância de Mársias, esfola-o vivo. Wind relaciona este tema à Poesia, pois Apolo é o deus da poesia, da música e das artes em geral.
Contemplação da Esfera: o tema refere-se à Urânia, uma das musas da mitologia grega. As musas são filhas de Júpiter e Mnemósine, ou Memória, sendo atribuída a elas a capacidade de inspirar criações artísticas ou científicas. São em número de nove e cada uma delas tem uma área de atribuição distinta. Urânia é a musa da Astronomia e sua representação mais comum inclui um globo celeste e, por vezes, um compasso ou instrumentos matemáticos com os quais ela parece efetuar uma medição. Wind relaciona o tema à Filosofia, provavelmente no que evoca a noção de conhecimento e análise.
Julgamento de Salomão: tema de inspiração bíblica, refere-se à passagem na qual Salomão, rei de Israel, é procurado por duas mulheres que alegam ser, ambas, mãe de uma mesma criança. O rei propõe dividir a criança ao meio e dar uma metade para cada uma delas, proposta aceita por uma das mulheres e rejeitada veementemente por outra, que prefere então que a criança seja dada à sua rival. Comparando as duas reações, Salomão descobre a verdadeira mãe e dá a criança para a mulher que prefiriu perdê-la para a outra do que vê-la morta. O tema se relaciona à Jurisprudência.
Queda do Homem: outro tema de inspiração bíblica, refere-se à passagem do livro de Gênesis na qual Adão e Eva são expulsos do paraíso, após serem instigados pela serpente a comerem o fruto proibido por Deus. Realizou-se assim o chamado pecado original, criando a noção de que toda a humanidade já nasce pecadora. O perdão ao pecado original seria obtido através do batismo. A passagem também se relaciona à explicação para a origem do mal no mundo, que não viria de Deus, mas das criaturas. A pintura é, dessa forma, associada por Wind à Teologia.
Identificados os temas das pinturas pendentes, é interessante situá-las no conjunto de pinturas do teto, conforme esquema abaixo:
Wind explica as relações dos três ciclos da seguinte forma (ver ilustração acima):
“A Contemplação da Esfera aparece ao lado da Filosofia tanto quanto o Julgamento de Salomão ao qual se relaciona como a philosophia naturalis com a philosophia moralis (correspondendo às inscrições nos dois livros que a figura da Filosofia está segurando). Ao lado da Jurisprudência, o Julgamento de Salomão adquire um significado jurídico como contraparte à Queda do Homem, com quem se relaciona como Julgamento e Crime. A Queda do Homem ao lado da Teologia, aparece em oposição ao Esfolamento de Mársias, com que se relaciona como Pecado e Salvação. Finalmente, o Esfolamento de Mársias aparece ao lado da Poesia como contraparte à Contemplação da Esfera, com quem se relaciona como o Dionisíaco para o Apolíneo culto das Musas.
O princípio da coordenação simétrica se estende também para as pequenas figuras do ciclo. Ao lado da Poesia, o coroamento de Augusto se relaciona com a tortura de Mucius Scaevola como o sereno culto da harmonia musical com o trágico ritual do sacrifício musical. Ao lado da Filosofia, a batalha dos Sabinos e Romanos se relaciona com a Pax Augustea como a Discórdia com a Concórdia, cuja união (na fórmula discordia concors) é ilustrada nas demonstrações musicais e matemáticas da Escola de Atenas. Ao lado da Jurisprudência, a cena de batalha aparece tanto quanto o Julgamento de Junius Brutus, com quem se relaciona como a Discórdia a Justiça. Finalmente, ao lado da Teologia a cena de Junius Brutus se relaciona com a de Mucius Scaevola como a Justiça com a Paciência, ou a Lei com a Graça.” (WIND, 1938, p. 78-79, tradução nossa).
Assim, Wind agrega uma série de significados variáveis ao ciclo dos elementos e às pinturas pendentes, dependendo de qual das alegorias é usada como referência. O esquema pode ser resumido mais ou menos assim:
A simetria do conjunto se destaca também pelo posicionamento das pinturas com sentidos literais às alegorias no ciclo dos elementos e nas pinturas pendentes. Observe-se o exemplo da Jurisprudência: enquanto nas pinturas pendentes o Julgamento de Salomão (mais próximo à Jurisprudência) está colocado ao seu lado direito, no ciclo dos elementos, o Julgamento de Junius Brutus está posicionado à sua esquerda. Existe assim um sentido reverso entre os dois ciclos.
Wind considera que os dois ciclos possuem um esquema semelhante em relação às alegorias, funcionando como uma espécie de polifonia nas lições que ensinam. A metáfora musical de Wind vai ainda mais longe:
Cada voz, ou seja, cada ciclo, declarando o mesmo tema, se estabelece após a outra. Se alguém estuda os três ciclos em grupos separados – (1) as quatro figuras alegóricas, (2) os quatro pendentes, (3) as quatro pinturas duplas dos elementos – descobrirá que todas elas ilustram o mesmo tema. Se suas intersecções são estudadas, concordâncias de uma ordem inteiramente nova emergem, e muitas mais poderiam ser discutidas neste artigo.” (WIND, 1938, p. 79, tradução nossa).
Wind pretendeu demonstrar que as pinturas do ciclo dos elementos se integram ao programa enciclopédico da sala como um todo. Refuta assim uma teoria de que as pinturas dos elementos e a pintura central do teto seriam sobras de uma decoração anterior e não teriam relação com o programa de Rafael. Wind comenta ainda sobre o efeito da delicada coloração das pinturas dos elementos em relação aos grandes afrescos das paredes, um efeito que ele considera que foi calculado por Rafael.
Para encerrar este texto, cabe ainda dizer que os quatro grandes afrescos (ver figuras abaixo) das paredes também se conectam às pinturas do teto. Logo abaixo da alegoria da Filosofia está o célebre afresco Escola de Atenas, no qual Rafael representa grandes nomes ligados à filosofia grega, tendo ao centro Platão e Aristóteles. Abaixo da Jurisprudência, o afresco Justiça mostra as alegorias da Fortaleza, Prudência e Temperança que, junto com a Justiça, formam o quarteto das Virtudes Cardeais, base do sistema da jurisdição humana. Traz ainda duas cenas representando a lei civil e da lei eclesiástica. Abaixo da Teologia, está o afresco conhecido como A Disputa do Santo Sacramento, ou simplesmente a Disputa, no qual Rafael pintou um espaço celestial, onde são representadas a Santa Trindade, a Virgem Maria, santos e profetas, e um espaço terrestre, no qual aparecem figuras da história da Igreja e personagens de ficção. Ao centro, encontra-se a hóstia consagrada. Finalmente, abaixo da alegoria da Poesia, encontra-se o afresco conhecido por Parnaso, no qual Rafael pintou o deus Apolo cercado pelas nove musas e escritores gregos, latinos e italianos.
Rafael Sanzio (1483-1520)
Vista das pinturas "Parnaso" (esq.) e "Escola de Atenas" (dir.) na "Stanza Della Segnatura", 1510-1511
Afrescos
Cidade do Vaticano, Stanza Della Segnatura, Palazzi Pontifici
Rafael Sanzio (1483-1520)
Vista das pinturas "Justiça" (esq.) e "A Disputa" (dir.) na "Stanza Della Segnatura", 1510-1511
Afrescos
Cidade do Vaticano, Stanza Della Segnatura, Palazzi Pontifici
E assim o programa da Stanza Della Segnatura se completa. O próprio esquema proposto por Wind não esgota as possibilidades de leitura que se estabelecem a partir da análise das pinturas. Em seu artigo, Wind explora outras possibilidades, como por exemplo, de que as pinturas mitológicas do ciclo dos elementos também possam estar ligadas às quatro eras míticas do mundo. Isso comprova a amplitude de significados que podem ser agregados no estudo iconográfico da Stanza Della Segnatura. Trata-se com certeza de uma das grandes realizações da arte em todos os tempos, que muito contribui para colocar o pintor Rafael entre os principais nomes do renascimento italiano.
REFERÊNCIAS
TAZARTES, Maurizia. Raphael. Florença: Giunti, 2010.
THOENES, Christof. Rafael. Colônia, Alemanha: Taschen, 2005.
WEB Gallery of Art. Disponível em: <http://www.wga.hu/>.
WIND, Edgar. The Four Elements in Raphael’s ‘Stanza della Segnatura’. Journal of the Warburg Institute, v. 2, n. 1, p. 75-79, jul. 1938.
Também publicado em O Mundo das Nuvens, blog do autor: